DE TRAFICANTE A POLÍTICO

A agência de notícias russa RIA diz que o Partido Liberal Democrata, conhecido pelas suas posições ultra nacionalistas, tinha escolhido Viktor Bout como candidato para a Assembleia Legislativa da região de Ulyanovsk, no centro do país.

Recorde-se que a Rússia recuperou em Dezembro de 2022 Viktor Bout, o traficante de armas preso nos Estados Unidos, numa troca de prisioneiros com a basquetebolista norte-americana Brittney Griner efectuada no aeroporto de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Conjuntamente com Pierre Falcone e Arcadis Aleksandrovich Gaydamak, Viktor Bout é um velho e querido amigo do MPLA.

Aliás, José Eduardo dos Santos tornou-os exímios executivos em finanças internacionais, colocando-os ao serviço do regime para, entre outras negociatas, negociar a dívida externa de Angola alegadamente contraída junto da antiga União Soviética.

Apelidado de “mercador da morte” e de “destruidor de sanções” pela sua capacidade de contornar embargos de armas, Viktor Bout era um dos homens mais procurados do mundo antes da sua detenção em 2008 por várias acusações relacionadas com o tráfico de armas.

Durante quase duas décadas, Viktor Bout tornou-se o traficante de armas mais famoso do mundo, vendendo armas para Estados-pária, grupos rebeldes e senhores da guerra em África, Ásia e América do Sul.

A sua notoriedade era tal que a sua vida inspirou em 2005 um filme de Hollywood, “O Senhor da Guerra”, protagonizado por Nicolas Cage no papel de Yuri Orlov, um traficante de armas vagamente inspirado em Viktor Bout.

As origens de Viktor Bout permanecem, ainda assim, envoltas em mistério. As biografias concordam geralmente que nasceu em 1967 em Dushanbe, então capital do Tajiquistão soviético, perto da fronteira com o Afeganistão.

Um linguista talentoso, que mais tarde usou o domínio do inglês, francês, português, árabe e persa para construir o seu império internacional de armas, Viktor Bout frequentou, na juventude, o clube de esperanto de Dushanbe, tornando-se fluente na língua criada no final do século XIX por Ludwik Lejzer Zamenhof.

Seguiu-se um período no exército soviético, onde Viktor Bout disse ter alcançado o posto de tenente, servindo como tradutor militar, fornecedor, negociador e conselheiro do MPLA em Angola, um país que mais tarde se tornaria central para os seus negócios.

Os negócios de Viktor Bout floresceram após o colapso do bloco comunista, entre 1989 e 1991, quando lucrou com o súbito excesso de armamento descartado da era soviética para alimentar uma série de guerras civis fratricidas em África e na Ásia.

Com a vasta frota aérea da União Soviética em plena desintegração, Viktor Bout conseguiu adquirir um esquadrão de cerca de 60 antigos aviões militares soviéticos que estava estacionado nos Emirados Árabes Unidos, com os quais começou a distribuir os seus produtos por todo o mundo.

Uma biografia de 2007, intitulada Merchant of Death: Guns, Planes, and the Man Who Makes War Possible (Mercador da Morte: armas, aviões e o homem que torna a guerra possível), de Douglas Farah e Stephen Braun, relatou vários detalhes do comércio obscuro de Viktor Bout.

A partir de uma base no emirado de Sharjah, Viktor Bout entrelaçou o seu império de tráfico de armas com um negócio de logística aparentemente inócuo, insistindo sempre, quando questionado, que era um empresário legítimo com clientes respeitáveis.

Mesmo assim, Viktor Bout, que apareceu pela primeira vez no radar da CIA quando começaram a circular relatos de um obscuro cidadão russo que negociava armas em África, era na viragem do milénio um dos homens mais procurados do mundo.

Com uma agenda de clientes que incluía grupos rebeldes e milícias do Congo a Angola (íntimo do MPLA) e à Libéria, Viktor Bout não professava qualquer ideologia, colocando sempre os negócios acima da política.

No Afeganistão, vendeu várias armas aos taliban e aos seus inimigos da Aliança do Norte, de acordo com a biografia de Douglas Farah e Stephen Braun.

Segundo o livro, Viktor Bout forneceu armas ao então Presidente liberiano e senhor da guerra Charles Taylor, condenado a uma pena de 50 anos de prisão por assassinato, violação e terrorismo, e a várias facções congolesas, bem como ao grupo islâmico filipino Abu Sayyaf.

O fim para Viktor Bout chegou em 2008, depois de uma elaborada operação policial da DEA ter conseguido rastrear o traficante de armas até um hotel de luxo em Banguecoque.

Durante uma espectacular operação policial, Viktor Bout foi apanhado em flagrante a negociar a venda de 100 mísseis terra-ar a agentes infiltrados dos EUA que se faziam passar por representantes da guerrilha colombiana das FARC, tendo sido detido pela polícia tailandesa.

Depois de mais de dois anos de disputas diplomáticas, em que a Rússia insistiu que Viktor Bout era inocente e o seu caso era político, Bout foi extraditado para os Estados Unidos, onde enfrentou uma série de acusações, incluindo conspiração para apoiar terroristas, conspiração para matar cidadãos norte-americanos e lavagem de dinheiro.

Viktor Bout foi julgado pelas acusações relacionadas com as FARC, que sempre negou, e em 2012 foi condenado e sentenciado por um tribunal de Manhattan a 25 anos de prisão, a pena mínima possível. Desde então, o Estado russo nunca deixou de tentar recuperá-lo.

“A Federação Russa trabalhou activamente para resgatar o nosso compatriota. O cidadão russo foi devolvido à sua terra-natal”, afirmou, em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia.

Para alguns especialistas, o interesse contínuo do Estado russo em reaver Viktor Bout, para além das suas ligações no comércio internacional de armas, sugerem que o traficante teria laços com os serviços secretos da Rússia.

Em entrevistas, Viktor Bout afirmou ter frequentado o Instituto Militar de Línguas Estrangeiras de Moscovo, que serve como campo de treino para oficiais dos serviços secretos militares.

“Bout era quase certamente um agente do GRU [os serviços secretos militares da Federação Russa], ou pelo menos um activo do GRU”, considera Mark Galeotti, um especialista em serviços de segurança russos no “think-tank Royal United Services Institute”, em declarações à Reuters.

“O seu caso tornou-se uma prioridade para os serviços secretos russos, que assim fazem questão de mostrar que não abandonam os seus”, acrescenta Galeotti.

De acordo com Christopher Miller, um jornalista que se correspondeu com neonazis presos com Viktor Bout na penitenciária norte-americana de Marion, no Illinois, o ex-traficante de armas mantinha uma foto do Presidente russo Vladimir Putin na sua cela e disse não acreditar que a Ucrânia deveria existir como um Estado independente.

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